Trabalhar em horário completo - e especialmente depois de anos a trabalhar em part-time - tem muitas vantagens. A maior de todas é ter um salário minimamente decente para ajudar a pagar as despesas. E eu disse "ajudar a pagar", e não "pagar" as despesas....
No entanto, isto começa a fazer mossa. O dinheiro faz falta, claro, mas também faz falta tempo. E não se pode ter as duas coisas, infelizmente.
De manhã, por muito que acordemos cedo, é sempre aquela correria: levantar da cama, lavar, vestir, comer, verificar mochilas...às 8h tem de estar toda a família fora de casa para se apanhar o comboio, entregar os miúdos, e conseguir fugir ao trânsito para se chegar ao trabalho a horas!
À tarde, já se regressa a casa pelas 19h, depois de um dia extenuante no trabalho. Ir buscar os miúdos, banhos, tratar do jantar...quando vemos as horas já é tempo de ir pôr os miúdos na cama!
Claro que aproveitamos os pequenos momentos para interagir com eles, mas, tal como acontece provavelmente na maioria dos lares portugueses - e, talvez, por esses lares mundo fora -, não conseguimos dar atenção 100% aos miúdos enquanto tratamos dos afazeres domésticos, e eles acabam sempre frente à televisão ou a jogar. E isto acontece, mesmo que organizemos as coisas na véspera para podermos ter o jantar, por exemplo, adiantado. E eu ainda aproveito a minha hora de almoço para fazer algumas compras de última hora. Recuso enfiar-me num supermercado ao fim do dia!
Naturalmente, nesta roda viva em que quase nem tempo temos para respirarmos, eu acabo por me sentir culpada. Na verdade, chegando a casa às 19h, 19:30, com tudo por fazer - embora partilhado com o chefe do clã -, e contando que a criançada tem de estar na cama pelas 21:30 (dormir já é outra "guerra"), e ainda pior quando o David traz T.P.C....que tempo temos com eles?
O Bruno anda, ainda por cima, na fase do desfralde, e está a ser particularmente difícil. Primeiro, porque esta correria diária nos tira o tempo que achamos ser essencial para esta fase. Não podemos desfraldá-lo às "três pancadas", não se trata "só" de tirar a fralda: é toda uma nova fase no desenvolvimento dele que, sendo mal feita, pode trazer consequências. E, depois, porque, na creche, ele não está a cooperar. Foge quando se percebe sujo, recusa-se a ir à sanita para o que deve...um filme!
Gostava que os nossos dias tivessem 48 em vez de 24 horas. Ou que o horário laboral no nosso país fosse mais amigo das famílias. Bastava que se trabalhasse 30 / 35 horas semanais. Sair às 17h ou 16h faria toda a diferença na nossa qualidade de vida.
É verdade que temos o dia tripartido: 8h para trabalhar, 8h para dormir, 8h para estar com a família. À partida, seria justo, 8 h para cada coisa, mas o que acontece não é nada disto.
Não nos apercebemos que as únicas 8h que efectivamente cumprimos são aquelas em que estamos no local de trabalho - na verdade, são 9...porque das 9 às 18h decorrem 9 e não 8 horas, e são raríssimas as pessoas que conseguem aproveitar a pausa do almoço para irem a casa. As restantes 16h que nos sobram não são cumpridas porque delas temos de retirar o tempo que demoramos nos transportes entre casa e o trabalho, eventuais compras para o jantar ou alguma urgência, afazeres domésticos, etc. Portanto...se queremos estar 8h com a família, temos de sacrificar as horas de sono - sob pena de perdermos "o tino" por falta de descanso. Se queremos descansar o mínimo, temos de sacrificar o tempo com a família - sob pena de os familiares e amigos se ressentirem e, especialmente as crianças, se sentirem um pouco "ao Deus dará", abandonadas pelos próprios pais, perdidas no meio da falta de tempo que a todos sufoca um pouco a cada dia que passa!
No meio disto tudo, perdemos tempo para nós próprios, sob pena de "estoirarmos os fusíveis" com tanto que nos é exigido. E ainda para estarmos como casal, sob pena de a relação se desgastar com a correria e, uma vez mais, com tanto que nos é exigido, também, enquanto pais.
Era bom que todos reflectissem sobre isto. Isto que já é sabido, mas não levado a sério.
Quem tem filhos é muito, mas mesmo muito penalizado neste país. Da dificuldade em encontrar emprego, à dificuldade extrema em conciliar a vida familiar com a profissional, eu afirmo que há toda uma certa mentalidade anti-família que paira sobre o nosso quotidiano.
Não estou a dizer nada de novo, aliás já disse atrás que tudo isto é sobejamente conhecido. Conhecido, sim, mas não levado a sério, volto a afirmar. Não há vontade em mudar isto. E isto é muito grave!
É que o nosso país precisa de crianças como pão para a boca!
"Acordai", como diz a canção que andou nas bocas do mundo em 2012 como protesto contra a intervenção do FMI em Portugal. Neste assunto, andamos a dormir não 8, mas 24h/dia.