Eis um artigo de opinião da Fernanda Câncio. É bom que pensemos nisto:
"Desde que há greves gerais em Portugal que são todas um grande sucesso. Para as centrais sindicais, bem entendido, porque para os governos em funções e partidos de suporte surgem sempre pífias. Habituámo-nos a esta guerra de números, como se fosse normal não se apresentarem valores sindicáveis da adesão a uma greve que ostenta o epíteto de "geral", e quando se tem a noção de que é sobretudo o sector público que "greva", justificando-se isso com "medo de represálias".
Confesso que me custa perceber este tipo de justificação. Primeiro porque quem a apresenta não pode deixar de se dar conta de que está a frisar a existência de uma diferença abissal entre a segurança no emprego no sector público e no privado (diferença essa que este governo sobejamente invoca, e cujo realçar agradece); segundo porque se o direito à greve está consagrado nesta como noutras democracias tal não significa que fazer greve não possa/deva implicar riscos ou sacrifícios - riscos e sacrifícios, bem entendido, para além do de perder o salário dos dias de paragem.
O imaginário das greves gerais, as que permitiram grande parte dos direitos de que hoje gozamos (ou gozávamos, como o da jornada diária de oito horas), fez-se do martírio de milhares de pessoas, que arriscaram tudo - do salário e emprego à vida propriamente dita, em confrontos com a polícia e os "amarelos". É desonrar essa herança convocar greves por dá cá aquela palha ou chamar greve geral, e ainda por cima "bem sucedida", a uma paragem a que adere uma pequena parte da população e que tem sobretudo a virtualidade de reforçar o fosso "garantístico" entre o privado e o público.
Na altura em que escrevo, ainda não ouvi um número adiantado pelas centrais sindicais para a adesão a esta greve, mas lembro bem o que foi lançado o ano passado: "mais de três milhões". Ou seja, num país de 10 milhões e picos, um terço da população, mais de metade da chamada "força de trabalho". Se é óbvio que os motivos para protestar se agudizaram (e quanto) desde então, e se UGT e CGTP falam de "uma adesão maior", de quantos milhões estaremos a falar desta vez?
Como me dizia ontem um trabalhador da construção civil (ver reportagem nas págs. 10/11), "greve geral é quando pára tudo, se houvesse mesmo greve geral eu não vinha trabalhar". Podendo-se desde logo questionar se a greve, geral ou particular, ainda faz sentido como única "forma de luta" das chamadas classes trabalhadoras, parece inevitável concluir que só se deve convocar uma greve geral quando estão criadas as condições para que mereça o cognome. Sob pena de vermos UGT e CGTP a fazer o papel do Pedro na fábula do lobo. O que é o mesmo que dizer de idiotas úteis. Tanto mais imperdoável quando o pior ainda agora começou."
"Desde que há greves gerais em Portugal que são todas um grande sucesso. Para as centrais sindicais, bem entendido, porque para os governos em funções e partidos de suporte surgem sempre pífias. Habituámo-nos a esta guerra de números, como se fosse normal não se apresentarem valores sindicáveis da adesão a uma greve que ostenta o epíteto de "geral", e quando se tem a noção de que é sobretudo o sector público que "greva", justificando-se isso com "medo de represálias".
Confesso que me custa perceber este tipo de justificação. Primeiro porque quem a apresenta não pode deixar de se dar conta de que está a frisar a existência de uma diferença abissal entre a segurança no emprego no sector público e no privado (diferença essa que este governo sobejamente invoca, e cujo realçar agradece); segundo porque se o direito à greve está consagrado nesta como noutras democracias tal não significa que fazer greve não possa/deva implicar riscos ou sacrifícios - riscos e sacrifícios, bem entendido, para além do de perder o salário dos dias de paragem.
O imaginário das greves gerais, as que permitiram grande parte dos direitos de que hoje gozamos (ou gozávamos, como o da jornada diária de oito horas), fez-se do martírio de milhares de pessoas, que arriscaram tudo - do salário e emprego à vida propriamente dita, em confrontos com a polícia e os "amarelos". É desonrar essa herança convocar greves por dá cá aquela palha ou chamar greve geral, e ainda por cima "bem sucedida", a uma paragem a que adere uma pequena parte da população e que tem sobretudo a virtualidade de reforçar o fosso "garantístico" entre o privado e o público.
Na altura em que escrevo, ainda não ouvi um número adiantado pelas centrais sindicais para a adesão a esta greve, mas lembro bem o que foi lançado o ano passado: "mais de três milhões". Ou seja, num país de 10 milhões e picos, um terço da população, mais de metade da chamada "força de trabalho". Se é óbvio que os motivos para protestar se agudizaram (e quanto) desde então, e se UGT e CGTP falam de "uma adesão maior", de quantos milhões estaremos a falar desta vez?
Como me dizia ontem um trabalhador da construção civil (ver reportagem nas págs. 10/11), "greve geral é quando pára tudo, se houvesse mesmo greve geral eu não vinha trabalhar". Podendo-se desde logo questionar se a greve, geral ou particular, ainda faz sentido como única "forma de luta" das chamadas classes trabalhadoras, parece inevitável concluir que só se deve convocar uma greve geral quando estão criadas as condições para que mereça o cognome. Sob pena de vermos UGT e CGTP a fazer o papel do Pedro na fábula do lobo. O que é o mesmo que dizer de idiotas úteis. Tanto mais imperdoável quando o pior ainda agora começou."
Também li esse artigo concordando com ele nas suas linhas gerais.
ResponderEliminarNo seguimento do seu post também li o da Maria.
O que é ainda mais ridiculo e de um cinismo incrível é a subserviência de representantes do patronato e dos comentadores que aparecem na tv (sociólogos, politólogos e outros doutores) que não têm coragem, ás vezes de olhos nos olhos com os principais dirigentes sindicais de dizerem tudo o que pensam deixando-se ficar na órbita do politicamente correcto.
Mais, Carlos: eu penso que todas estas guerrinhas entre sindicatos e patronato e governo não levam a lado nenhum. O país precisa de convergência, de consenso, não de divisão. Precisamos de produzir e de não dar argumentos a agências de rating para nos cotarem abaixo de zero. Porque é desses ratings que depois os credores fixam juros absolutamente loucos, uma vez que a economia é considerada de risco.
ResponderEliminar